domingo, 3 de abril de 2011

"Jovens são importantes para o sistema Judiciário"


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Arystóbulo de Oliveira Freitas conta que, na adolescência, ficava impressionado com o mistério do escritório do avô advogado. "Encantavam-me aqueles processos na mesa dele, aquela coisa inacessível, mas que chamava atenção", narra. Hoje, depois de ter seguido os passos do avô e chegado à presidência da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), ele diz que a maior luta da entidade está mais ligada à realidade: auxiliar o dia a dia do advogado e brigar pelo respeito às prerrogativas da classe.
Em entrevista concedida à Consultor Jurídico, Arystóbulo Oliveira Freitas lembra que a entidade, 67 anos depois de sua fundação, continua a investir no auxílio ao advogado. Mas hoje, os novos tempos exigem mais. Por isso, a inclusão digital da classe é um dos principais objetivos de sua gestão. E o seu maior desafio é entender os jovens advogados, de 23 a 30 anos, que representam 30% dos seus 87 mil associados. "O jovem ainda é um mistério para muita gente, ele precisa se mostrar mais. As lideranças mais jovens precisam dar sinais de como a gente pode ajudá-los a enfrentar os desafios", pede.
Em relação aos jovens juízes, não fez críticas e nem acredita que é preciso exigir idade mínima para o ingresso na carreira. Experiência de vida e conhecimento jurídico bastam. "Não acredito que o ingresso na profissão depois dos 30 anos vá mudar muita coisa. O jovem traz a semente do novo, do repensar, de revisitar conceito. O jovem é muito importante para o sistema."
Na luta pelo respeito às prerrogativas dos advogados, a edição da Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal trouxe uma grande força para a classe e para a defesa dos cidadãos, de acordo com Arystóbulo. O enunciado prevê que, sempre, o advogado deve ter acesso aos autos. "É claro que ainda existe autoridade que se nega e o advogado precisa entrar com Reclamação no Supremo. Mas a súmula não tem só efeito jurídico imediato, como também efeito simbólico importante", avalia.
Durante a entrevista, o presidente da Aasp também falou sobre as consequências da falta de autonomia orçamentária do Tribunal de Justiça de São Paulo e sobre a gestão da Justiça. "Cada vez mais é necessária uma gestão profissional no Judiciário. As novas lideranças estão percebendo que sem gestão, não vai dar certo", opina.
Ainda estudante, na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o advogado diz ter sido "muito inquieto". "Estagiei em um escritório de Direito Trabalhista, de Direito de Família, de Direito Penal, fui trabalhar em uma empresa, na Caixa Econômica Federal, fiz de tudo", relembra. Hoje, aos 49 anos, ele é sócio da banca Arystóbulo Freitas Advogados e membro do Corpo de Árbitros da Ciesp e da BM&F-Bovespa.
Os jornalistas Maurício Cardoso e Lilian Matsuura também participaram da entrevista.
Leia a entrevista:
ConJur — O CNJ, principalmente na gestão anterior, do ministro Gilmar Mendes, focou sua atuação na gestão estratégica do Judiciário. Hoje, o órgão tem uma forte função correicional. Qual seria o melhor papel?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — A criação do CNJ, com a Emenda Constitucional 45, foi uma das medidas mais acertadas dos legisladores. Estruturalmente, todo órgão público deveria ter um plano diretor, com regras e parâmetros mínimos a serem seguidos nas diversas gestões. É necessário que existam parâmetros permanentes para que a instituição não fique ao sabor da vontade dos gestores. A gestão do Gilmar Mendes foi de absoluta importância. A atitude dele com relação ao sistema penitenciário foi exemplar e continua sendo seguida. Como o Judiciário é refratário a muitas mudanças e intervenções, o CNJ pode, sem interferência jurisdicional, ajudá-lo a acertar essas questões. A discussão sobre o papel nessa atividade correcional também é importante. O Brasil tem dimensão continental e realidades tão distintas que sabemos a dificuldade que tribunais estaduais têm de resolver internamente algumas questões. É necessário um órgão que tenha independência e decida sobre isso concorrentemente, às vezes até antes da atuação da corregedoria local.
ConJur — O Supremo começou a discutir se a competência disciplinar do CNJ é subsidiária ou concorrente em relação das corregedorias dos tribunais de segunda instância.
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Sim, essa discussão só começou no Plenário na corte. Mas uma coisa que já está clara é que não há a mínima possibilidade de o Conselho interferir em questões jurisdicionais. Uma contribuição importante do CNJ foi a criação de uma lista única para o pagamento de precatórios. É uma vergonha um país com essa evolução, que passou da oitava para a sétima economia do mundo, não saber quanto deve. Dizem que esse número pode ser de R$ 80 bilhões. Outros estudiosos acreditam que pode chegar a R$ 300 bilhões. Temos 280 mil precatórios atrasados.
ConJur — Superestimar os valores devidos não seria uma forma de justificar o atraso no pagamento?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Superestimar os valores é muito mais desvantagem do que vantagem. Os entes federados estão percebendo que têm de entrar na lei. Não pagar precatório é muito mais do que não entregar o dinheiro para o devedor: é desrespeitar o juiz. O Judiciário já está no limite com tipo de atitude.
ConJur — Como o senhor avalia a atuação do Tribunal de Justiça de São Paulo em relação ao pagamento de precatórios?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — O TJ-SP demorou muito nessa questão. Hoje, participa de todas as discussões no CNJ sobre as regras. Parece que agora estamos no trilho adequado para resolver o problema.
ConJur — Qual é a solução para a questão dos precatórios? É possível proibir o ente federativo de fazer desapropriações enquanto não pagar o que deve, por exemplo?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Isso é inviável. Nós temos o desafio de sermos uma potência e sairmos dessa classificação de BRICs [grupo formado pelos emergentes Brasil, Rússia, Índia e China]. Minha perspectiva é que o CNJ consiga organizar a lista, e os estados e entes devedores sintam o peso da normatização, e o Supremo dê sinais de que aquelas Resoluções 115 e 123 do CNJ são absolutamente necessárias e estão em acordo e consonância com nosso sistema constitucional. A partir daí, há obrigatoriedade de obedecer a moratória de 15 anos. Esta é uma reclamação do Judiciário, que está sendo desrespeitado; dos credores, principalmente dos que estão morrendo sem ver esse crédito; e de toda a sociedade brasileira, que está cansada de desmando e de governante que promete.
ConJur — O cenário atual de encontro do Judiciário com a tecnologia exige mudanças que vão muito além do que trocar uma máquina de escrever por um computador. Como o advogado está assimilando isso, se preparando e recebendo essa transformação?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Com o passar dos anos, a tecnologia vem ganhando espaço e mudando a vida das pessoas. Há dois ou três séculos, as mudanças demoravam 500 anos para acontecer, mas hoje elas se dão com mais rapidez. Nos anos 1990, a internet não era nada. De repente, foi lançada no mundo acadêmico, se transformou em comercial e hoje você não consegue se relacionar profissionalmente sem o uso dela. Muitas vezes, a tecnologia chega de uma forma não estruturada, como no caso da advocacia. Nesses últimos tempos, ela recebeu a tecnologia, mas o processo interno do escritório continua o mesmo. Nós estamos no meio do caminho. O advogado pensa assim: “O que eu tenho que fazer agora? O Judiciário vai avançar mais ou não vai? Eu preciso transformar meu escritório em um escritório digital ou não preciso?”. Hoje, essa é a grande questão da advocacia.
ConJur — De que maneira a Aasp pretende ajudar nisso?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Dando cursos sobre como a tecnologia pode ajudar o advogado ou deixando claro que, quando a tecnologia entrar no escritório, vai entrar também na vida dele. Vamos ensiná-lo a lidar com programas simples, como editores de texto, e até como ligar o computador.
ConJur — Isso quer dizer que muitos ainda não têm condições de lidar com o processo eletrônico.
Arystóbulo de Oliveira Freitas — O profissional do Direito sabe lidar muito bem com as leis, mas com a tecnologia essa posição muda. A Aasp tem uma comissão permanente de acompanhamento do processo eletrônico. Queremos entender como está estruturado o processo eletrônico em todos os âmbitos do Judiciário, mas ainda não há unidade. Por isso, estamos fazendo um mapeamento para só depois ir aos Tribunais Superiores e ao CNJ e oferecer sugestões. Algumas ferramentas que funcionam em estados menores, com volume menor de processos, não funcionaram em São Paulo. O estado tem metade de tudo no país: renda, processos, problemas. O que couber em São Paulo cabe em tudo. Vinte milhões de processos não é brincadeira.
ConJur — Como o Judiciário paulista tem avançado nesse ponto?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Vou partir de minha visão macro sobre a Justiça paulista: a falta de autonomia financeira prejudica muito. Em qualquer estado isso é inadmissível, porque gera conflito de interesses e submissão. O Executivo ganha uma margem de manobra, o que é muito ruim. Além da autonomia, o Judiciário tem que ter gestão. Não adianta querer que uma pessoa que passou a vida dando decisões e enfrentando conflitos, de uma hora para outra, tenha de saber como se cria uma vara com todos os seus processos internos, com compra de papel higiênico, lidar com a greve dos funcionários: questões administrativas e de recursos humanos. Cada vez mais é necessária uma gestão profissional no Judiciário. Não adianta implementar o processo eletrônico se não há gestão e muito menos autonomia. A reforma do Código de Processo Civil, por si só, não vai resolver o problema.
ConJur — Diante desse quadro, qual deve ser a postura dos escritórios. Eles devem investir na informatização?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Há escritórios que estão investindo fortemente nesse objetivo de criar escritório sem papel, seja na digitalização dos arquivos, revendo procedimentos internos, fazendo acordo com clientes para que o trânsito de documentos se dê por meio de sistemas mais inteligentes. Os escritórios grandes estão bastante avançados.
ConJur — Como os pequenos e médios estão aderindo a essas mudanças?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Hoje, escritórios com até 15 advogados é considerado pequeno e muitos deles ainda estão no começo, digitalizando as ações e criando formas de facilitar o trabalho, como colocar duas telas de plasma para os advogados. Em uma é exibida a jurisprudência e na outra o arquivo em que se está trabalhando. Em 1996, uma pesquisa da Aasp apontou que mais de 90% dos associados tinham computador e/ou acesso a internet. Hoje, esse advogado precisa de alguém que o ajude a entender o que está acontecendo, como fazer um site ou que indique um programinha para lidar com o faturamento. É aí que entra o papel da entidade: fornecer todos os instrumentos para que ele tenha o que deseja da forma mais barata possível e que não se sinta diferente do escritório grande, de modo que, proporcionalmente, esse escritório tenha os mesmos recursos do grande. Quando ele for para uma audiência com um advogado de um grande escritório, vai falar de igual para igual.
ConJur — Quantos associados da Aasp podem ser incluídos nessa categoria de pequenos escritórios?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Por volta de 40% a 50%. E metade deles está no interior. Tanto que, neste ano, vamos focar a nossa atenção às necessidades dos advogados que estão longe da nossa sede. Vamos fazer eventos nessas cidades, levar a certificação digital, criar produtos que ajudam no acesso à internet e promover cursos via satélite. Nosso associado do interior tem a mesma atenção e os mesmos produtos que o advogado que está ao lado da associação. A distância geográfica não pode mais ser desculpa para reduzir o acesso aos produtos e serviços.
ConJur — O recorte sempre foi um serviço básico da associação. Como ele é oferecido hoje?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Nascemos com esse serviço, o chamado recorte, em um formato até romântico, com aquela folha de jornal meio amarelada e com a tirinha da intimação. Isso foi por volta de 1943. Quase 70 anos depois, o serviço ainda é muito importante. Desde que eu entrei na associação, há nove anos, a grande discussão era: “Precisamos nos atualizar para acompanhar a evolução tecnológica”. E é isso que estamos fazendo. Entregamos em um formato mais fácil de ler. O recorte continua importante. A Aasp é uma instituição que ajuda o associado com todas as informações das quais ele precisa. Agora nós temos, ouso dizer, uma das melhores bibliotecas jurídicas desse país. Estamos também trabalhando para a criação dos e-books. Temos a revista para o associado ficar atualizado, videotecas, cursos por satélite, certificado digital, plano de previdência privada e parcerias. E isso tudo por um só preço. Parece que estou fazendo propaganda, não é? É o desafio do gestor: dar mais por menos.
ConJur — Então, o papel da Aasp é mesmo dar essas ferramentas para o dia a dia do advogado?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Essa é uma parte do trabalho. A Aasp também tem sido cada vez mais importante na defesa da prerrogativa. Ela não nasceu para isso, mas foi ganhando tamanha notoriedade que hoje é vista como uma entidade que briga pelo advogado.Recebemos reclamações do tipo: “O juiz de tal vara não recebe advogados. O delegado de tal delegacia não mostra inquéritos. Na Receita estadual, a pessoa do posto fiscal exige o original do meu documento para fazer a autenticação por semelhança, porque ele diz que há uma interpretação. Isso é justo? Não é justo? O JEC manda oficio para o meu cliente dizendo que tem dinheiro para receber e não me avisa, o cliente recebe e não paga meu salário”. Enviamos ofício para as entidades, sem identificar os associados. Algumas dessas brigas são muito frutíferas. Mas em questões jurisdicionais não nos metemos.
ConJur — Por quais meios essas reclamações chegam até a entidade?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — De todos os jeitos. É uma coisa fantástica. No ano passado, passamos por uma grande crise em função da transição da Nossa Caixa para o Banco do Brasil. Começaram a chegar reclamações. No princípio eram dez por mês, depois 40, depois 50. Fizemos várias reuniões com o Banco do Brasil, mas eles não tinham como resolver o problema em curto prazo. Resolvemos ser um pouco mais firmes e colocamos no nosso site um aviso assim: “Associado, você tem reclamação do Banco do Brasil? Reclame aqui!” Podia reclamar pelo Twitter, por e-mail, pela Ouvidoria, pelo site. Chegamos a receber 400 reclamações, que tabulamos e apresentamos ao banco. Com isso, o Banco do Brasil percebeu que o impasse estava realmente saindo controle: empregou mais pessoal, treinou mais rapidamente, deslocou equipe de suportes de outras áreas. Tivemos uma resolução mais efetiva. Continuamos vigilantes e criamos um canal rápido de comunicação com o Banco do Brasil. Recebemos a comunicação do associado, mandamos diretamente para eles e pedimos resposta em 24 horas.
ConJur — Quais os casos mais comuns de violação das prerrogativas?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Nos Juizados Especiais há bastante violações, como o fato de juízes comunicarem as partes dos depósitos e deixar de informar o advogado. Apesar de ter diminuído, essa é uma prática que continua existindo. O juiz desconsidera que o advogado tem a procuração e que ele trabalhou durante anos naquele processo. O advogado se sente humilhado porque o cliente liga para ele e fala: “Recebi um comunicado e tenho dinheiro. Você não estava olhando o processo? Você não toma conta?”. Outra questão é o recebimento de advogados por juízes. Ultimamente, os juízes estão percebendo que não há necessidade de evitar o contato com o advogado. A maior parte só quer trocar uma palavra de cinco ou dez minutos. Há também muitos problemas de acesso aos processos, tanto na área criminal, quanto nas áreas previdenciária e cível. Na área criminal é mais recorrente.
ConJur — A Súmula 14 do Supremo, que deixou claro que advogado tem que ter acesso aos autos, teve alguma influência no dia a dia dos advogados no sentido de abrir mais as suas portas?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Sim, uma influência enorme. É claro que ainda existe autoridade que se nega e o advogado precisa entrar com Reclamação no Supremo. A súmula tem não só efeito jurídico imediato, como também efeito simbólico importante. O advogado tem se sentido muito desrespeitado pelas autoridades, tem sido muito menosprezado em função do crescimento dos tecnocratas. Hoje, o movimento tem que ser de valorização do advogado. Se você respeita o advogado, você respeita o cidadão. O advogado existe para defender o direito de alguém, não o direito dele. Quando eu falo em prerrogativas, eu falo do João, da Antonia, do Benedito. Se você me desrespeitou, você desrespeitou todos eles. É simples assim. Nós precisamos brigar por isso. O advogado tem que chegar com a cabeça erguida na frente das autoridades e dizer: “Eu sou advogado com muito orgulho”. É essa a briga atual.
ConJur — Qual a porcentagem dos associados que são considerados jovens advogados?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Os jovens advogados — de 23 até 30 anos — representam 30% dos associados. E, hoje, o grande desafio é entendê-los. O que ele quer? Do que ele precisa? Criamos o Aasp no Twitter para nos comunicarmos melhor com eles e estamos organizando um segundo encontro para nos aproximarmos e saber do que precisam. Essa geração põe em dúvida a necessidade de um contato presencial. Ela está no Facebook, no Twitter, no telefone BlackBerry, nas lanhouses. Ele tem um costume de autossuficiência. O jovem ainda é um mistério para muita gente, ele precisa se mostrar mais. As lideranças mais jovens precisam dar sinais de como a gente pode ajudá-los a enfrentar os desafios. Nossa missão é entender esse profissional.
ConJur — A ConJur recentemente publicou artigo no qual nosso colunista Vladmir Passos de Freitas toca na questão dos jovens juízes. Ele sugere a idade mínima de 30 anos para o ingresso na magistratura. Para o senhor, há idade mínima para ser juiz?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Não tenho convicção formada sobre isso. Tenho muitas dúvidas. Alguns jurídicos têm falado no critério empregado pela Justiça inglesa. Lá, o advogado começa a trabalhar no foro. Para advogar nos tribunais superiores, precisa ter tantos anos de prática na advocacia e preencher determinados requisitos. Pessoalmente, acredito que o juiz precisa ter experiência de vida. O conhecimento adquirido na faculdade e em cursos é importante. Os requisitos da lei, que fala em três anos de exercício de atividade jurídica, também ajudam bastante. Não acredito que o ingresso na profissão depois dos 30 anos vá mudar muita coisa. O jovem traz a semente do novo, do repensar, de revisitar conceito. O jovem é muito importante para o sistema. Há uns oito anos, tivemos um movimento de aposentadoria muito forte no TJ-SP em função da mudança da lei previdenciária. Isso fez com que jovens juízes se movessem muito rápido na carreira, e isto, sim, é ruim.
ConJur — Por quê?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — O juiz começa no interior, ou mesmo na capital, mas tem passagens por diversas varas. Isso é importante. Movimentos abruptos prejudicam a própria formação do juiz, que se vê de uma hora para outra diante de problemas que ele não veria tão rapidamente e diante de desafios pessoais, porque ele não está com uma experiência de vida suficiente para poder vencer alguns desafios.
ConJur — A Aasp tem acompanhado as reformas em andamento, como a do CPC?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Uma das propostas de reforma do CPC é enxugar o número de recursos. Diante disso, gostaria de esclarecer duas falácias: dizem que existem muitos recursos e que o advogado adora atrapalhar o Judiciário. Não há muitos recursos, mas, sim, uma falta de aplicação de normas que inibem a má-fé. Apesar de a multa por litigância de má-fé existir desde 1973, os juízes acham que ela é de difícil aplicação. O recurso é importante, porque cria um padrão de decisão que orienta a sociedade. Para eu chegar até o Embargo de Divergência, posso ter tido Apelação, Embargos Infringentes, Recurso Especial, Despacho Denegatório de Recurso Especial, Agravo Regimental. Aí, no último recurso, o juiz diz que a tese faz sentido. O que o tribunal tem e não usa são instrumentos para coibir a má-fé.
ConJur — A má-fé é uma coisa que fica clara para o juiz?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — O juiz sabe quando a parte está brigando por uma tese importante ou quando está simplesmente criando filigranas sem fundamento. A responsabilidade objetiva, por exemplo, foi construída na jurisprudência com uma mistura da inversão do ônus da prova e a exigência daquele que é o responsável em desconstruir o que era alegado. No Brasil, além de surgir com algumas normas, veio também da construção jurisprudencial. O advogado vai brigando até chegar no Tribunal Superior, e o Tribunal Superior entender que aquele tema é realmente relevante para ser discutido. Nós temos também a repercussão geral: se um Recurso Extraordinário não tem repercussão geral, acabou. Não adianta eu começar a criar, senão estarei agindo de má-fé. O juiz tem essa percepção. No entanto, algumas questões estão na linha tênue entre má-fé e insistência em uma tese. Nesse caso, o advogado tem que chegar até o Superior Tribunal de Justiça para provar que está discutindo a tese e que não aceita ser tido como um litigante de má-fé. E, afastando a multa, dizem para ele: “Você tem razão. Não concordo com a tese, acho que não é o momento. Mas não está de má-fé”.
ConJur — O senhor é árbitro. A arbitragem está ganhando, cada vez mais, força como alternativa ao Judiciário?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — A Lei da Arbitragem é de 1996. Atuar como árbitro é uma experiência muito rica. A atividade decisória é difícil. O advogado que exerce alguma vez a atividade de árbitro começa a entender mais o juiz. Isso tudo tem ligação com a confiança e com a senioridade, requisitos subjetivos que levam uma parte a indicar ou não aquela pessoa para ser árbitro. Em primeiro lugar, a arbitragem é uma grande alternativa. Não diria que ela está desafogando o Judiciário. Apesar disso, tira desse poder questões que exigem muita dedicação do juiz e que ele não tem tempo para isso. É uma realidade para grandes causas complexas. Isso desafoga o Judiciário na qualidade e não na quantidade. Para começar, o advogado, que é o consultor da empresa, precisa estar convencido de que a arbitragem é uma alternativa. Dois, precisa convencer a empresa, o empresário e o acionista. Três, ele precisa colocar no contrato. Quatro, precisa ter alguma competência no contrato. Tudo isso pode demorar até dez anos. A arbitragem é um movimento crescente, mas ainda não posso dizer que é impactante no volume de processos.
ConJur — Mas cada processo retirado do Judiciário deixa o juiz livre para cuidar de outro caso.
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Sim. Por exemplo, em um processo de um contrato de infraestrutura, no qual ele iria gastar 20 horas para ler, outros 30 processos pequenos, de despejo ou de brigas de vizinhos podem ser analisados.
ConJur — As causas menores e menos complexas devem mesmo ficar com o Judiciário?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Para os casos mais simples, acredito mais na conciliação. Na época em que comecei a advogar, alguns juízes tinham tempo para isso. Conciliar está ligado ao tempo. O juiz precisa, antes de tudo, entrar no problema, ter tempo de aparar as arestas entre as partes, encontrar o caminho e ajudá-las a dirigir para esse caminho. Em termos sociológicos, a conciliação é muito melhor. Uma coisa é uma decisão imposta, que vai goela abaixo. Outra é a solução construída.
ConJur — Qual a realidade atual da conciliação em São Paulo?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — O CNJ editou resolução para estimular a instalação de unidades conciliadoras. O TJ-SP está trabalhando bem nisso. Há desembargadores muito sérios e muito empenhados. Esta é uma solução muito importante, principalmente, para as ações de massa. Se uma companhia tem erro na conta de 20 mil clientes, as audiências coletivas são ótimas para solucionar o problema. Não há muito sentido na existência de 10 mil processos sobre o mesmo assunto e o juiz ter de decidir um por um. Hoje, temos experiência e tecnologia para resolver essas questões.
ConJur — O processo eletrônico pode resolver esse problema, então?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Com o processo eletrônico, tudo muda: os conceitos, a dinâmica do processo, a forma lidar com os autos. Mas, se antes o juiz tinha 100 processos por dia, ele vai começar a receber 300. Isso é preocupante, mas não dá ensejo para, por exemplo, o movimento que propõe a redução do tamanho das peças. Daqui a pouco vira formulário. “Nós temos mil causas da Letra AXP 45 e a decisão é a 44. Pega lá, servente.” O Direito não é assim. As decisões são individuais. Mesmo quando processos únicos repercutem para milhares de pessoas, existem pontos específicos nos quais o juiz precisa parar e pensar.
ConJur — Como lidar com a judicialização de questões que, a priori, não são de competência do Judiciário?
Arystóbulo de Oliveira Freitas — Precisamos entender a lógica disso e resolver uma questão que ninguém mexe. O Judiciário está enfrentando esse problema. Judicialização da saúde, judicialização da política. O Executivo e o Legislativo resolveram abrir mão de algumas de suas funções e o Judiciário não deixou isso escapar. É necessária uma política pública de retomada das funções desses poderes. O Legislativo tem que acabar com esse negócio de transformar medida provisória em lei. E o Executivo precisa instituir política de saúde, cuidar dos doentes dar remédio para os doentes, tapar buraco. Eles não podem depender do Judiciário mandando, mandando, mandando. Na área de saúde não tem uma pessoa que tenha entrado com uma pretensão razoável que não tenha recebido uma liminar no mesmo dia ou no dia seguinte. O juiz pensa: “Pode ser eu da próxima vez. Eu estou enfartando, preciso de uma cobertura, o plano de saúde nega. Como eu vou fazer?”. O Judiciário dá respostas rápidas quando precisa ser rápido. Agora, o curso normal do processo, tem um estudioso que diz que são dois anos. A gente precisa atacar todos os problemas, porque o processo eletrônico sozinho não dá toda resposta, e não tem sentido Justiça de formulário

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